22.10.08

 

Fragmentos de um Quotidiano Político Deprimente


A presente conversa sobre a crise financeira causa-me certa urticária.

Ouvir daqueles que, ainda há bem pouco tempo, lançavam loas às teses do neo-liberalismo, diatribes, apóstrofes e demais censuras aos mais destacados praticantes delas, antes glorificados e apresentados como paradigmas a emular, dá náusea profunda.

Cavalheiros como José Sócrates, socialistas putativos, que se pavoneavam da maior modernidade económica e tecnológica, que desdenhosamente apodavam de Velhos do Restelo, quem avisadamente os criticava ou lhes moderava o entusiasmo nesses seus arroubos de empreendedores absolutamente retóricos, excedem-se agora em condenações morais do capitalismo desumano, puro e duro, que antes aceitavam como natural, se não única, forma de actuação na esfera económica mundial.

É vê-los aí impantes e pressurosos a oferecerem-nos o Estado providencial, seguro, sério, solidário e generoso, contanto que sob o seu estrito controlo, convém não esquecer o pormenor, para nos salvar do precipício para que alegremente nos guiaram todos estes anos, desde o aparecimento do salvífico Guterres até ao advento desta espantosa figura socrática que encarnou em acabado mestre de cerimónias e de acções de propagandas várias.

Fiado na ausência de alternativa política, por insofrida inépcia das múltiplas lideranças do PSD, eis que o putativo socialista moderno, José Sócrates, se nos apresenta como o grande exorcizador da crise que garantidamente não nos molestará, tão de pronto lhe asseguremos mais um brilhante mandato governativo.

Nas redacções dos jornais, das revistas e das TV, públicas e privadas, pasme-se, pela concertação, uma autêntica teia de interesses espúrios se prepara para nos recomendar nova solução socrática, insinuando-nos o esquecimento da Licenciatura tortuosa e venal, a parlapatice sem fim, o incumprimento de quase todas as promessas eleitorais - as passadas, as presentes e certamente as futuras -, a introdução e a multiplicação da família socrática por todos os órgãos do Estado e até de Instituições particulares, a troco óbvio de favores e compensações diversos, etc., etc., tudo isso nos vai ser inculcado como inevitável, como mal menor, ante o vazio e o descrédito de uma oposição incapaz.

Eis o cenário político mais que provável para os próximos meses.

Como reagirá a isto a antiga Nação valente e imortal ?

AV_Lisboa, 22 de Outubro de 2008

14.10.08

 

Vozes do Sul


A partir de uma pequena discussão sobre as exactas palavras de uma quadra de António Aleixo (N. 18-02-1899 – F. 16-11-1949), fui levado a reler os dois tomos de «Este Livro que vos Deixo», em que se encontra reunida a maior parte da produção literária deste malogrado poeta popular algarvio.

Tenho ainda comigo um terceiro volume intitulado «Inéditos» de António Aleixo e uma sua biografia elaborada pelo jornalista António de Sousa Duarte, em 1999, quando se comemorou o Centenário do seu nascimento, de que igualmente voltei a ler trechos extensos.

Com alguma paciência, tenho buscado e reunido informação sobre, porventura, o maior poeta popular português, que reputo já preciosa, pela quantidade e pela variedade de elementos acumulados sobre a figura de António Aleixo. Ainda hoje, o nome de Aleixo é pouco conhecido, mesmo entre gente letrada. Vale a pena, no entanto, conhecer e divulgar casos de autêntica sabedoria popular como este.

O António Aleixo, sobre ser poeta inspirado, era, pode dizer-se, quase um filósofo, à maneira daqueles gregos antigos, despojados, que calcorreavam os caminhos das terras pobres e agrestes da velha Hélade, discorrendo, conversando e interpelando os transeuntes com que topavam, sem outro fito na vida, que não fosse o seu amor desinteressado à Σοφία (Sabedoria/Saber/Sofia), que, nesses tempos heróicos, abrangia todas as disciplinas do conhecimento, desde a Astronomia à Poesia, passando pela Matemática, pela Física e, claro, também pela Mitologia, com algum misticismo pelo meio.

Julgo haver entre nós reminiscências destas figuras, na metade sul do nosso País, talvez pelas suas parecidas características climatéricas com as típicas da orla do Mediterrâneo: longos meses de calor, com noites muito amenas, de céu limpo, muito estrelado, convidando ao convívio, no fresco da noite.

A RDP, Antena 1, ainda hoje, apresenta um programa aos Sábados de manhã, chamado «Lugar ao Sul», de Rafael Correia, em que este vai percorrendo terras do Alentejo e do Algarve à procura de poetas populares, que aí vivem, alguns conservando quase solitariamente as designadas profissões tradicionais: artesãos, abegões, carpinteiros, marceneiros, pintores, serralheiros, agricultores, pastores, etc., na sua maior parte, com vocação para o canto, para a poesia lírica e de conteúdo social reflexivo, às vezes, de crítica social fortemente mordaz.

É espantoso encontrar, mesmo em sítios bastante escondidos nas serras, autênticos ermos, homens e mulheres que, em forma poética, discorrem sobre os mistérios e infortúnios da vida. Alguns são analfabetos, ou quase, embora apenas no sentido formal, porque ou não frequentaram a Escola ou muito pouco tempo por lá andaram.

Apesar disso, muitos deles, tornaram-se sábios, seres verdadeiramente cultos, no sentido em que formaram uma compreensão da vida, da natureza, e da sua relação com ela, muito concreta, profunda e ajustada. Há mais de vinte e cinco anos que ouço este programa, embora com a regularidade perdida, nos últimos tempos.

Tem o Programa muito interesse e quem o apresenta, Rafael Correia, possui um jeito especial para conversar com estas pessoas. Quase todas elas cantam – e bem – modas tradicionais.

Às vezes, poucas, felizmente, Rafael Correia lá deixa escapar uma ou outra graçola, a despropósito, mas, no geral, é muito correcto com elas e vê-se que lhes tem carinho. Gosto muito de ouvir este singular Programa. Sente-se que está ali um mundo a desaparecer rapidamente, se é que não desapareceu já, e que aqueles são os seus últimos sobreviventes.

Talvez por, em miúdo, ter passado férias, anos a fio, primeiro no Alentejo – Odemira, Zambujeira, Almograve, V.N. de Mil Fontes, Odeceixe (vila já do Algarve, mas em tudo ainda muito semelhante ao contíguo Alentejo) – e, depois, mais tarde, também vários anos seguidos, no Sotavento Algarvio – Tavira, Conceição de Tavira, Cabanas de Tavira, Cacela, Manta Rota, Altura, Monte Gordo e V. R. de S. António, fiquei sempre afectivamente muito ligado a estas gentes e aos seus costumes.

As quadras do Aleixo devo tê-las ouvido, em criança, pela primeira vez, ao meu Pai, que as recitava com vivo entusiasmo e orgulho, não só por as conhecer, mas também por ter conhecido o seu autor, quando este deambulava por feiras e festas das vilas e aldeias da Serra Algarvia e do Baixo Alentejo.

Ouvi-as depois, já adolescente, num contexto politizado, no Pavilhão do Atlético Clube de Moscavide, num sarau efectuado por grupo de Estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa, aí por 1968/69, quando os estudantes universitários não vestiam fardas, nem cantavam ordinarices à Quim Barreiros.

Ia com eles actuar o Padre Fanhais, que, suponho, foi quem primeiro musicou algumas dessas quadras mais incisivas e o Zeca Afonso, que, já no local, foi impedido de cantar pelo Chefe da Polícia presente, que alegou ter recebido ordens estritas para tal e não poder deixar de as cumprir.

Levantou-se logo um coro de protestos e de murmúrios contra a PIDE/DGS e «o Fascismo» e a coisa pôs-se feia, mas a verdade é que já estávamos na «primavera marcelista» e «o regime» já consentia alguma contestação, não obstante as tintas deveras carregadas com que a Oposição o pintava.

De então para cá, nunca mais deixei de apreciar este malogrado poeta, que nem por ter escolhido, quase sempre, a modalidade das quadras deve ser subestimado. O Pessoa tinha um carinho especial por esta forma de fazer poesia e legou-nos dezenas, se não centenas delas, algumas de grande elegância literária, de fundo lirismo. Só os mais finórios, a tirar para pedantes, desdenham destas formas poéticas.

E, por respeito até ao que António Aleixo sofreu, nas condições deveras precárias em que sempre teve de viver, é justo que dediquemos mais atenção e apreço ao que ele «escreveu», com os parcos conhecimentos formais que pôde agregar.

Na realidade, muito pouco terá escrito, porque mal o sabia fazer. Foi principalmente o tal Professor do Liceu de Faro, Joaquim Magalhães, que, caridosa e pacientemente, pôs no papel aquilo que o Aleixo com naturalidade ia debitando.

O papel extraordinário que este Professor desempenhou, espécie de secretário particular de Aleixo, como este por piada chegou a designá-lo, merece que seja a justo título destacado, pela relevância cultural que representou. Sem complexos e com elevado sentido solidário, ouviu-o e incentivou-o a prosseguir a sua vocação de Poeta inspirado, senhor de uma poesia de forte cunho social e filosófico.

Para elucidação de eventuais cépticos ou acidentalmente desmemoriados, bastará, creio, que aqui coloque algumas das mais justamente conhecidas quadras de Aleixo :

Sei que pareço um ladrão,
Mas há muitos que eu conheço,
Que, sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.

De vender a sorte grande,
Confesso, não tenho pena;
Que a roda ande ou desande,
Eu tenho sempre a pequena.

Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da Nação;
Vendo jogo, guardo gado,
Só me falta ser ladrão.

Eu não tenho vistas largas,
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

P'rá mentira ser segura,
E atingir profundidade,
Tem de trazer à mistura,
Qualquer coisa de verdade.

Que importa perder a vida
Em luta contra a traição,
Se a razão, mesmo vencida,
Não deixa de ser Razão.

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do Mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai-vos que pode o povo
Querer um mundo novo a sério.

Tu, que tanto prometeste
Enquanto nada podias,
Hoje que podes esqueceste
Tudo quanto prometias.

Não sou esperto, nem bruto,
Nem bem, nem mal educado;
Sou simplesmente o produto
Do meio em que fui criado.

Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se alguém disser que tem fome,
Comete um crime sem querer.

Quem trabalha e mata a fome,
Não come o pão de ninguém,
Quem não ganha o pão que come,
Come sempre o pão de alguém.

Para não fazeres ofensas,
E teres dias felizes,
Não digas tudo o que pensas,
Mas pensa tudo o que dizes.

Contigo em contradição,
Pode estar um grande amigo;
Desconfia mais dos que estão,
Sempre de acordo contigo.

O Mundo só pode ser
Melhor do que até aqui,
Quando consigas fazer,
Mais p’los outros que por ti.

E, assim, lição por lição,
O que aos poucos aprendemos,
De outros a outros daremos,
Que outros a outros darão.

O homem sonha acordado,
Sonhando a vida percorre,
E, desse sonho dourado,
Só acorda, quando morre.

Julgo que esta amostra da poesia de Aleixo será suficiente para convencer qualquer um da sua genialidade.

Custa a crer que quem engendrou estes versos tenha sido um homem quase analfabeto, pobre, doente e infeliz. De onde lhe viria tanta inspiração, tamanha sabedoria ?

Para contribuir para a divulgação do nome e da obra de António Aleixo, conto escrever aqui, em breve, um texto evocativo mais extenso e a ele inteiramente dedicado.

Nele homenagearei todos os Poetas populares de Portugal, em particular os que nasceram ao sul do Tejo, região em que estes seres especiais parecem ter encontrado condições favoráveis à sua proliferação, na Poesia como no Canto, facto que, inquestionavelmente, justificaria um estudo académico aprofundado.

Pode ser que alguém ainda se lembre de tal, se mais apelos como este por aí forem aparecendo.

AV_Lisboa, 13 de Outubro de 2008

1.10.08

 

Uma Evocação de Jorge de Sena

Na passada noite de 10 de Julho do corrente ano, estive, como muitas outras pessoas, no Teatro Nacional de S. Carlos, em Lisboa, numa evocação dos 30 anos do desaparecimento do nosso grande e saudoso Poeta, Romancista, Ensaísta, Intelectual socialmente interventivo, Professor Universitário de Literatura e Engenheiro, Jorge de Sena, figura de multímoda exuberante criatividade, que indelevelmente deixou marcada a sua presença na cultura portuguesa do século XX.

Nessa noite, a recentemente criada Fundação José Saramago decidiu promover uma sessão especial de homenagem a Jorge de Sena, a que o então também recentemente empossado Ministro da Cultura, José Pinto Ribeiro, se dignou associar, comparecendo em pessoa e intervindo no final da sessão.

Mesmo as figuras polémicas, como Jorge de Sena, acabam por receber, por vezes, destas honrarias dos representantes das Instituições que, em sua vida, sempre lhes recusaram as mais justas e inteiramente merecidas distinções oficiais.

Também neste caso, cabe dizer : melhor tarde que nunca, sem que esqueçamos a falta cometida.

Sendo eu também um já algo antigo leitor e admirador de Jorge de Sena, com os meus mais de 30 anos de convívio, intermitente embora, mas sempre retomado, com a sua tão fecunda obra literária, construída, de resto, à imagem da sua rica e tumultuária personalidade, não poderia faltar a tão oportuna sessão de evocação e homenagem.

Na verdade, comecei a ler Jorge de Sena aos vinte e poucos anos, naquele turbulento, mas extremamente estimulante caldeirão cultural de 1974-1975, e logo me apercebi da sua espantosa grandeza.

Nos anos subsequentes, li-o quase febrilmente e ainda hoje me fascina todo o seu vasto horizonte intelectual, como se pode confirmar em qualquer peça da obra torrencial que nos legou.

Oxalá esta oportuna sessão tenha despertado entre os Portugueses, em particular, a renovação do interesse pela obra deste imenso escritor do Mundo, no presente algo esquecido em Portugal, sua Pátria madrasta, como ele sempre bem no-lo lembrou.

A sessão, contudo, se me suscitou claros elogios, suscitou-me também críticas justificadas.

Estas têm que ver, em primeiríssimo lugar, com um facto que me surpreendeu e decepcionou, uma vez que não admitiu a participação final do público, após a intervenção do painel de especialistas convidados.

Mesmo contando com fracos dotes oratórios, preparava-me para questionar a distinta mesa de especialistas em Jorge de Sena, sobre alguns pontos que reputo importantes da sua vida e obra, bem como tencionava contestar uma das afirmações proferidas por um dos especialistas presentes, o Prof. Vítor Aguiar e Silva, que me causou espanto e vivo desagrado.

Há de facto algumas questões sobre Jorge de Sena que nunca vi claramente abordadas pelos especialistas em Literatura, designadamente em Jorge de Sena, que aproveito agora para as divulgar urbi et orbi :

1 – Sabendo nós que J. Sena era filho de um Oficial da Marinha Mercante, que faria muito gosto em que o filho seguisse a carreira de Oficial da Marinha de Guerra Portuguesa, desejo esse que estaria inicialmente também na mente do jovem J. Sena, o que o terá levado, por certo, a matricular-se na Escola Naval, como se explica o seu posterior afastamento da Instituição ?

Ainda mais, sabendo nós também que, como corolário da sua natural capacidade, concluiu J. Sena, pode dizer-se, com distinção, o 1º ano do curso de Marinha, visto ter sido o melhor aluno do seu curso, nesse ano.

Fez ainda J. Sena, no final do ano lectivo, a sua viagem curricular de cadete, que lhe proporcionou a visita entusiasmada a Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Angola e Brasil, entusiasmo de que nos deixou largos testemunhos em alguns dos contos do livro «Os Grão-Capitães».

Tudo indicaria, portanto, que J. Sena poderia cursar uma carreira brilhante na Marinha de Guerra Portuguesa. Subitamente, porém, J. Sena aparece depois afastado, expulso ou excluído da Escola Naval.

Que motivo ou motivos terão estado na origem desta situação aparentemente inesperada ?

Nunca li nada de esclarecedor deste facto e perdi a oportunidade de inquirir o conhecimento dos especialistas presentes na sessão do S. Carlos, em especial o do Prof. Jorge Fazenda, que deve ser das pessoas, em todo o mundo, que mais e melhor conhecem da vida e da obra de Jorge de Sena.

2 – Em segundo lugar, gostaria de tivessem explicado o episódio rocambolesco da tentativa de ocupação da casa de Jorge de Sena, em Portugal, no Restelo, após o 25 de Abril, por um grupo de exaltados, a pretexto de que a casa estava desabitada e pertenceria, provavelmente, a algum burguês endinheirado, pouco agradado com o curso da Revolução.

3 – Em terceiro, gostaria igualmente que tivessem esclarecido o facto estranho de Jorge de Sena nunca ter sido convidado para leccionar uma Cátedra na Universidade Portuguesa, após o 25 de Abril, apesar de ele ser um excelente Professor Universitário, de categoria internacional, prestigiadíssimo por leccionar numa famosa Universidade americana, em Santa Bárbara, onde foi coordenador de vários Departamentos de Literatura Portuguesa, Brasileira e Espanhola, depois de haver leccionado também noutra Universidade americana a de Wisconsin, em Madison, após a sua saída do Brasil, em que igualmente leccionou, tendo iniciado aí a sua brilhante carreira universitária, não sem algumas peripécias contrárias a esse objectivo, como ele mesmo disso nos deu prosa abundante, nos extensos e fogosos prefácios dos livros que publicou em vida.

Nesses seus típicos prefácios, J. Sena aproveitava para ajustar algumas velhas contas com certas figuras ou instituições, naquele seu estilo acerbo, mas aberto, directo, frontal que sempre o caracterizou.

Fora do universo seniano, teria ainda gostado de esclarecer outro ponto, este com o Prof. Vítor Aguiar e Silva, que, a certa altura da sua intervenção, se lamentou de ter de recorrer ao Dicionário Etimológico do espanhol Corominas para saber de etimologias de vocábulos portugueses, afirmação que me deixou boquiaberto, vinda de um Universitário português.

Sobre este tema das Etimologias do nosso vernáculo, há de facto poucos trabalhos em português, mas há pelo menos dois de inegável relevo: um do Prof. brasileiro, Antenor Nascentes, por sinal, grande amigo de outro ilustre Professor, o português, José Pedro Machado. Como é sabido, publicou Antenor Nascentes o seu alentado Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa logo no início dos anos 30 do século passado.

E, neste domínio da Etimologia, a outra obra que evoco é a do meu inesquecível Professor da disciplina de Português, do curso secundário, José Pedro Machado, a qual veio a lume, na sua primeira edição, em 1952, tendo depois sofrido várias revisões e diversos acréscimos, até ao final da década de 60 do século XX.

Além deste Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, em 5 volumes, J. Pedro Machado elaborou ainda um outro Dicionário designado Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, em 3 volumes, dedicado, em particular, a nomes de pessoas e de localidades portuguesas ou relacionadas com Portugal.

Não tendo havido possibilidade de intervenção pública, para o que estava preparado, como disse, apesar dos meus limitados recursos oratórios, no final, dirigi-me ao citado Professor Universitário e interpelei-o, pela sua já referida estranha afirmação.

Confrontei-o, com correcção, sobre estes mencionados elementos bibliográficos, que disse conhecer, mas a eles se referiu de maneira desdenhosa, tendo eu argumentado que os supostos grandes conhecedores destes temas e de outros correlatos, dos refinados meios académicos e universitários nacionais e estrangeiros, tinham já tido mais de 50 anos à sua disposição para fazer outro Dicionário, porventura mais completo, mais vasto, mais perfeito e, no entanto, esse trabalho, que eu soubesse, jamais teria aparecido.

A nossa conversa, cordata, apesar de tudo, terminaria pouco depois, embora eu dela tivesse saído algo penalizado, dada a minha longa ligação afectiva com José Pedro Machado.

Vi, assim, na displicência daquele Professor perante o trabalho alheio, a velha pecha portuguesa, sobretudo, que sempre se compraz em diminuir nos outros aquilo que, comprovadamente, não consegue realizar com os seus próprios talentos.

Por isso, poderíamos, agora, daqui legitimamente indagar :

Saberá o Prof. Vítor Aguiar e Silva avaliar quantas horas terá J. P. Machado consumido, da sua preenchida e honesta vida, para elaborar aqueles valiosos Dicionários ?

Tencionará o Prof. Vítor Aguiar e Silva ou algum seu dilecto colaborador produzir alguma vez na vida trabalho que se lhes possa avantajar ou sequer equiparar ?

Cá estaremos, se Deus ou os Fados quiserem, para o podermos comprovar.

Eis, em resumo, o que gostaria de ter esclarecido naquela noite com os distintos especialistas e demais auditório.

Ficará para uma próxima ocasião. Até lá, deixo aqui registada a minha algo decepcionada impressão da referida sessão de homenagem a Jorge de Sena.

AV_Lisboa, 30 de Setembro de 2008

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